Caros Colegas,
É com profunda tristeza que recebemos a notícia do falecimento de nossa companheira Denise Pahl Schaan, da Universidade Federal do Pará. Ela faleceu hoje, dia 03 de março de 2018, em consequência de uma doença implacável, que afetava a sua vida há algum tempo. Não obstante as limitações impostas por seu estado de saúde, Denise jamais deixou de se dedicar aos seus compromissos acadêmicos. Algo que surpreendeu a todos nós, que acompanhamos os seus desafios nos últimos meses. Denise tinha uma impressionante capacidade de trabalho, o que é notório face a sua volumosa produção acadêmica. Era uma pesquisadora incansável, obstinada, disciplinada e sempre preocupada com a excelência. Além de sua inegável contribuição científica ao campo da Arqueologia, sobretudo, na Amazônia, Denise era muito criativa, talvez uma herança da época em que atuava no mundo das artes em Porto Alegre e que a levou para os estudos sobre a iconografia da cerâmica marajoara. Nos últimos anos, junto com o seu companheiro, vinha se dedicando a produções audiovisuais, algumas das quais muito bem recebidas pela crítica. Assim era a Denise, aproveitava cada oportunidade para produzir artigos, livros, revistas, exposições, vídeos. Sua natureza empreendedora levou-a a criar e ampliar os espaços de formação em arqueologia na Amazônia, dentre eles, o Programa de Pós- Graduação em Antropologia, da Universidade Federal do Pará, do qual era fundadora e docente e no qual fomos colegas por muitos anos. Foi por seu intermédio que vim para a Amazônia, aqui trabalhamos juntas em projetos, na organização de dois livros e na condução da Sociedade de Arqueologia Brasileira/SAB, entre 2007 e 2009, ela como presidente, eu como secretária.
Contabilizar sua produção é uma tarefa e tanto, ela produziu um volume extraordinário para quem tinha pouco mais de 50 anos. Denise revolucionou a arqueologia amazônica sobre a qual escreveu 14 livros, mais de 40 artigos nas principais revistas científicas, cerca de 40 capítulos de livros, entre outras produções acadêmicas. Suas publicações, que contemplam temas diversos da pesquisa à gestão, aliadas à sua grande competência e capacidade de síntese, fizeram com que o nome Schaan seja citado em parte significativa da bibliografia relativa à produção acadêmica da arqueologia brasileira. Escrever era uma de suas paixões, a qual se dedicava com afinco. Chegou uma vez a me confidenciar que gostaria de se aposentar, mudar-se para uma praia e virar escritora. Tinha reconhecido talento tanto para os textos acadêmicos, quanto aqueles que se destinavam à divulgação da arqueologia. Esses materiais chegaram em localidades longínquas da Amazônia e por isso escutava-se o nome Schaan em vários lugares da região, especialmente, aquele que a fez ingressar na arqueologia: o Marajó. Eu poderia escrever páginas sobre seus títulos, produção, criatividade, sua contribuição ao nosso campo, a enorme lacuna que fica com a sua morte, mas, curiosamente, Denise Pahl Schaan nunca quis ser arqueóloga, segundo ela mesmo dizia:
“Nunca pensei em ser arqueóloga e posso dizer que me tornei arqueóloga por acaso (...) encontrei na arqueologia aquilo que eu procurava: a possibilidade de desenvolver um trabalho que fosse intelectual e físico, que demandasse criatividade e paixão, que exigisse dedicação e responsabilidade, no qual eu poderia dar vazão a meus interesses por antropologia, desenho, arte, literatura, através do qual eu pudesse viajar e conhecer novas pessoas, ensinar e aprender. Acho que se eu tivesse optado mais cedo pela arqueologia não teria me preparado tanto para exercê-la com a determinação com que me dedico a minha carreira, hoje em dia. As pessoas que são apaixonadas por sua profissão e que gostam do que fazem sabem do que eu estou falando”¹.
Denise era uma mulher de sorriso tímido, mas tinha essa paixão em tudo o que fazia. Sua morte precoce causa um forte impacto em nossa comunidade e, particularmente, para nós que convivemos com ela na universidade. Ainda não conseguimos mensurar sua perda, mas sei que ela se eternizou pela sua produção, tão vasta para alguém tão jovem. Denise Schaan dizia “o mundo precisa de bons contadores de histórias” e completava “alguns deles podem ser arqueólogos” 2. Ela certamente foi uma das grandes contadoras da história da Amazônia e isso a fará sempre presente.
Marcia Bezerra
Universidade Federal do Pará
Belém, 03 de março de 2018
1 Schaan, D.P. Reflexões de uma arqueóloga e mulher na Amazônia, in Dominguez, Funari, Carvalho, Rodrigues (Orgs) Desafios da Arqueologia: depoimentos. Erechim: Habilis editora, 2009, 89-99.
2 Op.cit, p.99
Foto: Vídeo “35 anos da SAB”.